Autores:
Intérprete:
Júlio dos Santos Oliveira Jr.
Paulo D'Elia
Paulo D'Elia
Às noites, pelas ruas,
Andavam juntos, como irmãos.
Partilharam tantas luas,
Cheias de sins e de nãos.
Eram reis sem reino,
Servos sem dono.
E assim, sem qualquer treino,
Chegaram ambos ao outono.
Um rico e feliz.
O outro nem tanto.
Mas, como se diz,
Cada um com seu encanto.
Filhos tiveram três.
Um teve várias mulheres,
Uma de cada vez.
O outro uma só,
Que valeu por todas,
Esposa, mãe e avó.
Um morava em cortiço,
O outro em soberbo palácio.
Um falava português castiço
O outro assassinava a última flor do Lácio.
Um tinha muitos amigos,
O outro quase nenhum.
Um desdenhava dos perigos,
O outro era um sujeito comum.
Mas a vida é cheia de surpresas
E manobra como quer.
Dá pouco valor a certezas,
Faça-se o que se fizer.
Um, de repente, faliu
E o outro prosperou.
Um, sem dar um piu,
Simplesmente desmoronou.
Foi manchete de jornal:
Grande empresário quebrara,
Estava pra lá de mal.
Atirou-se pela janela,
Ficara sem ninguém.
Não moraria em favela.
Acordou de coma profundo
Num hospital da periferia,
Em ambulatório quase imundo.
Doía-lhe por demais a alma,
Quando ouviu uma voz lhe dizer:
Meu querido amigo, calma.
Ao abrir os olhos doídos,
Viu a figura do outro,
Aquele dos tempos tão idos.
Que, apontando-lhe o coração,
Disse, num gesto sereno:
Vim buscá-lo, meu irmão.